À Sombra das Mulheres. Poderoso título que Philippe Garrel chama para o seu último filme. Poderoso pois podia bem ser todo o seu cinema que se comprime ante esta premissa, ou antes, um dos seus problemas estéticos: de que é feita a sombra que emana da figura das mulheres e atinge em cheio o corpo e psique masculinas? Neste seu filme está em causa esse afrontamento, expresso no rosto inexpressivo e corpo incapaz de abraçar e mostrar amor, de Stanislas Merhar. Pierre é a figura típica do amante garreliano, num desespero surdo pós-nouvelle vague e que está sempre preso nessa sombra. Sombra que tal como com as “suas” mulheres são duas. De um lado, a companheira de há anos, com quem faz filmes e vive uma vida no limiar da pobreza, e do outro lado, a amante, jovem estagiária numa produtora de cinema, estudante de doutoramento. Mas essas mulheres são os desdobramentos do problema da sombra. É a sombra feminina como o espaço da “influência sobre”, como as sereias que cantam aos marinheiros de Ulisses, mas também a sombra como o porto de abrigo contra uma intensa luz do real.
O presente texto foi publicado no livro de compilação O Cinema Não Morreu – Crítica e Cinefilia À pala de Walsh. Pode adquiri-lo junto da editora Linha de Sombra, na respectiva livraria (na Cinemateca Portuguesa), e em livrarias seleccionadas.