Esta é uma edição especial do Curtas Vila do Conde: o festival celebra o seu 25º aniversário, um marco no panorama nacional, e a programação promete estar à altura da ocasião. O festival, que decorre de 8 a 16 de Julho, além dos habituais programas que mostram o melhor do que se faz a nível nacional e internacional em curtas-metragens, começa por celebrar estes 25 anos com um olhar para o passado, com a publicação de um livro alusivo à história do festival (com textos de 25 personalidades ligadas ao festival), uma selecção de filmes que ficaram na história do Curtas, e uma exposição fotográfica sobre as diversas edições ao longo dos anos. Entre as estreias de filmes de Aki Kaurismaki, Kelly Reichardt e Abbas Kiarostami, uma competição nacional de luxo (com nomes como João Salaviza, João Pedro Rodrigues, Salomé Lamas e Gabriel Abrantes), diversos eventos musicais e debates à volta do cinema, não faltam mais uma vez razões para visitar Vila do Conde e verificar como o festival se tem reinventado para acompanhar as novas tendências no cinema mundial.

O primeiro grande destaque vai para a exibição em ante-estreia de 4 filmes no programa “Da Curta à Longa”: Certain Women (2016) [sábado dia 8] de Kelly Reichardt, o mais recente filme da realizadora norte-americana que esteve em destaque no festival em 2014, uma subtil e comovente digressão pelas histórias de três mulheres que se cruzam em pequenas cidades da América; Toivon Tuolla Puolen (The Other Side of Hope, 2017) [sábado dia 8] de Aki Kaurismäki, premiado no Festival de Berlim, um novo filme da trilogia dos portos do realizador finlandês, sobre duas histórias que por acaso se intersectam; 24 Frames (2016) [domingo dia 9], um projecto experimental realizado pelo cineasta Abbas Kiarostami nos seus últimos três anos de vida, uma colecção de 24 curtos filmes de quatro minutos e meio inspirados em imagens, incluindo pinturas e fotografias; e Mariphasa (2017) [domingo dia 9], a segunda longa-metragem de Sandro Aguilar, um dos autores portugueses mais representados no festival. A secção In Focus é este ano dedicada ao realizador francês F. J. Ossang, que estará em Vila do Conde com uma retrospectiva integral que permitirá a descoberta de uma obra particular e de um dos mais secretos cineastas contemporâneos, e que mantém uma especial relação com Portugal – destaque para as exibições das longas rodadas rodadas nos Açores (Le trésor des îles chiennes e Dharma Guns) [sexta dia 14 e segunda dia 10] e Docteur Chance (que tem como protagonista Pedro Hestnes) [sábado dia 15], além da curta Vladivostok (2009) [sábado dia 15], com a qual foi premiado no Curtas, na Competição Experimental. A entrevista de Ossang ao À Pala de Walsh em 2015 pode ser lida neste link.
A Competição Nacional apresenta este ano um impressionante conjunto de nomes, que reúne realizadores consagrados e novos talentos emergentes. O maior destaque vai para Altas Cidades de Ossadas (2017) de João Salaviza [terça dia 11; repete quarta dia 12], apresentado no Festival de Berlim, que mostra uma viagem aos bairros sociais numa periferia sem memória e que acompanha a história de Karlon, pioneiro do rap crioulo, dando expressão à opressão da sociedade e das suas convenções sobre a liberdade individual; destaque também para os regressos ao formato da curta-metragem e das suas possibilidades de maior liberdade, por parte de João Pedro Rodrigues com Où en êtes-vous, João Pedro Rodrigues (2017) [sexta dia 14; repete sábado dia 15], um passeio pelas margens geladas do lago Walden, sobre a história de Henry David Thoreau e Nathaniel Hawthorne, e de Salomé Lamas com Coup de Grâce (2017) [quinta dia 13; repete sexta dia 14], uma ficção sobre o regresso de uma filha que o seu pai já não a esperava. Nome já habitual no Curtas, Gabriel Abrantes regressa, depois do prémio para Melhor Realizador na edição anterior, com Os Humores Artificiais (2017) [quarta dia 12; repete quinta dia 13], uma espécie de ficção científica delirante, que cruza a estética de Hollywood e as estratégias do documentário. Do Festival de Cannes teremos a possibilidade de assistir a Farpões Baldios (2017) de Marta Mateus [sábado dia 15; repete domingo dia 16], um documentário sobre a região do Alentejo e os seus camponeses, e Água Mole (2017) de Laura Gonçalves e Xá [terça dia 11; repete quarta dia 12], uma animação sobre os últimos habitantes de uma aldeia que lutam contra o esquecimento; além desses 2 filmes exibidos na Quinzena dos Realizadores, o Curtas exibe o novo filme de Carlos Conceição, Coelho Mau (2017) [sexta dia 14; repete sábado dia 15], que foi apresentado na Semana da Crítica, que parte das relações entre dois irmãos, uma mãe ausente e o seu amante. De autores com passagens interessantes em anteriores edições do Curtas, destaque para os filmes Thursday Night (2017) de Gonçalo Almeida [quarta dia 12; repete quinta dia 13], Cedrim (2017) de Diogo Vale [sábado dia 15; repete domingo dia 16], Soltar (2017) de Jenna Hasse [quinta dia 13; repete sexta dia 14], O Homem Eterno (2017) de Luís Costa [quarta dia 12; repete quinta dia 13] e A Sonolenta (2017) de Marta Monteiro [quinta dia 13; repete sexta dia 14]. A selecção é complementada pelos filmes Das Gavetas Nascem Sons (2017) de Vítor Hugo [sexta dia 14; repete sábado dia 15], Verão Saturno (2017) de Mónica Lima [terça dia 11; repete quarta dia 12], Longe da Amazónia (2017) de Francisco Carvalho [sábado dia 15; repete domingo dia 16], e Surpresa (2017) de Paulo Patrício [quarta dia 12; repete quinta dia 13].

A Competição Internacional é, ano após ano, uma amostra tão heterogénea e diversa quanto a imaginação o permite, quer a nível temático, quer a nível formal, nos géneros de ficção, documentário e animação. Entre os 37 filmes seleccionados, destacamos 11 filmes a não perder, mesmo deixando de fora alguns dos nomes mais habituais do festival (como Ben Rivers, Jennifer Reeder ou Yann Gonzalez):
- The Hedonists (2016) de Jia Zhangke [domingo dia 9 e terça dia 11]: do prestigiado realizador cuja carreira tem revelado diferentes registos, desde Zhantai (Plataforma, 2000) a Tian zhu ding (China – Um Toque de Pecado, 2013), esta é uma ficção sobre o encerramento de uma mina, e a consequente situação de desemprego em que caem os seus trabalhadores, numa sátira sobre a volatilidade da vida moderna;
- Project X (2016) de Laura Poitras e Henrik Moltke [domingo dia 9 e sexta dia 14]: da realizadora de CitizenFour (2014), chega-nos um documentário sobre um estranho arranha-céus, que passa despercebido no centro de Manhattan, enquanto recolhe milhares de comunicações sem o conhecimento dos cidadãos;
- O Peixe (2016) de Jonathas De Andrade [domingo dia 9 e sexta dia 14]: talvez um dos objectos mais inusitados presentes no festival e uma experiência limite, este é um filme que situa-se no território híbrido entre documentário e ficção, que é ao mesmo tempo sensorial e um comentário sobre a apropriação etnográfica, sobre um um grupo de pescadores do nordeste brasileiro que recorre a uma técnica muito peculiar ao caçar as suas presas;
- Slapper (2016) de Luci Schroder [domingo dia 9 e terça dia 11]: um estonteante mergulho numa desesperada e explosiva tentativa de uma adolescente rebelde tentar arranjar dinheiro suficiente para poder comprar uma pílula do dia seguinte, antes que seja tarde demais – um filme próximo do universo de Harmony Korine e Larry Clark
- Ce Qui Nous Éloigne (2016) de Hu Wei [domingo dia 9 e terça dia 11]: do realizador chinês já nomeado para um Óscar, este filme que conta com a participação de Isabelle Huppert, é um retrato delicado do encontro de um casal chinês que visita a sua filha biológica na casa dos seus pais adotivos franceses;
- Estás Vendo Coisas (2017) de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca [domingo dia 9 e sábado dia 15]: um documentário sobre o mundo da música Brega do Recife, onde a indústria dos videoclipes é catalisadora de uma ideia de futuro pontuada pelo desejo de sucesso materialista. O filme observa esse mundo, desconstruindo “em directo” este universo, com planos que mostram o que sucede por trás das câmaras ou a seguir às filmagens, desarmando essa imitação de contentamento artificial;
- She’s Beyond Me (2017) de Toru Takano [segunda dia 10 e quarta dia 12]: algures entre o legado dos filmes de Hong Sang-soo e Éric Rohmer, o filme apresenta uma aventura platónica de verão junto à praia, sobre um escritor que apaixona-se por uma rapariga que é igual à sua antiga ex-namorada;
- My Burden (2017) de Niki Lindroth Von Bahr [segunda dia 10 e quarta dia 12]: uma animação amarga, melancólica, ao mesmo tempo hilariante e deprimente, onde a música funciona como redentora da letargia e tristeza existencial de um estranho conjunto de personagens, é um dos mais originais filmes da seleção;
- What Happened To Her (2016) de Kristy Guevara-Flanagan [terça dia 11 e sábado dia 15]: se a área do filme-ensaio tem crescido exponencialmente nos últimos anos, este apresenta uma consideração sobre a violência e exploração do corpo feminino na cultura popular, numa das originais e conseguidas teses do género;
- Los Desheredados (2017) de Laura Ferrés [terça dia 11 e quinta dia 13]: recém premiado no Festival de Cannes, o filme acompanha o pai da realizadora no percurso terminal do seu negócio familiar de autocarros de turismo, no qual permanece uma espécie de dignidade final apesar da frustração acumulada de uma vida, num retrato delicado
- Copa-Loca (2017) de Christos Massalas [terça dia 11 e sexta dia 14]: uma parábola e uma fábula na tradição grega dos filmes de Yorgos Lanthimos ou Attenberg (2010), um abandonado e degradado resort dá lugar às ruminações e aventuras sentimentais dos habitantes que por lá vão ficando
- After School Knife Fight (2017) de Caroline Poggi, Jonathan Vinel [terça dia 11 e sexta dia 14]: da dupla que apresentou no ano passado Notre Heritage (2016), este é um retrato ao mesmo tempo romântico e desolador, próprio do abandono da adolescência, sobre um fim de tempo, quando um adolescente tem que abandonar o seu grupo para seguir em frente.

Já se torna habitual encontrar na competição experimental alguns dos melhores filmes do festival, e este ano promete não ser muito diferente, com obras de Bill Morrison, Christoph Girardet, Rainer Kohlberger, Ken Jacobs ou Lois Patiño (e os portugueses Tânia Dinis e Miguel Ildefonso) a testarem os limites da liberdade permitida pelo formato. A competição para filmes de escolas, Take One!, permite a descoberta de novos talentos, e a competição de vídeos musicais possibilita descobrir o melhor da produção nacional neste género. Além dos filmes, o Curtas volta a apostar em inovadores espectáculos visuais para celebrar adequadamente os 25 anos do festival. Destaque para a atuação da Atlantic Coast Orchestra [sábado dia 8], que irão interpretar ao vivo uma banda sonora escrita pelo compositor Andrew E. Simpson para o clássico mudo de Buster Keaton, The General (1926); para a estreia em Portugal do francês Chassol, que irá apresentar “Big Sun” [quarta dia 12], numa composição onde imagens e gravações são combinadas com música numa espécie de improviso multi-sensorial; para os Capitão Fausto, cujo álbum mais recente será objecto de um concerto único [sexta dia 14], que recorrerá a excertos do documentário Pontas Soltas para revelar momentos do processo criativo da banda; e para Minute Bodies: The Intimate World of F. Percy Smith [quinta dia 13], realizado por Stuart Staples, o vocalista dos Tindersticks. Os Mão Morta celebram também este ano o 25º aniversário de Mutantes S21, emblemático álbum da banda que será alvo de uma performance acompanhada por um trabalho de ilustração em tempo real com arte alusiva ao álbum [sábado dia 15]. Esta edição fica marcada por uma novidade, ou melhor um regresso: o Curtas agendou concertos das bandas Evols [domingo dia 9] e Pega Monstro [segunda dia 10] para o Auditório Municipal de Vila do Conde, o local que acolheu as primeiras edições do festival.
Parte do apelo de um festival como o Curtas é poder assistir às conversas com os realizadores, masterclasses, workshops e os debates à volta do cinema, do qual destaca-se o encontro com Leonor Teles e Diogo Costa Amarante, que falarão da sua experiência de ganhar o Urso de Ouro no Festival de Berlim, e conversas sobre o conceito de cinema expandido com João Tabarra e Filipa César. A exposição que se inaugura na Solar – Galeria de Arte Cinemática representa uma abertura a uma nova geração de artistas que procuram estabelecer, a partir de diversas perspectivas, uma reflexão sobre a Terra, em seis instalações.

Aki Kaurismaki, F. J. Ossang, Kelly Reichardt, Jia Zhangke, Abbas Kiarostami, Isabelle Huppert, João Pedro Rodrigues, Atlantic Coast Orchestra, Bill Morrison, João Salaviza, Christoph Girardet, Salomé Lamas, Laura Poitras, Chassol, Sandro Aguilar, Lois Patiño, Gabriel Abrantes, Ben Rivers, Caroline Poggi & Jonathan Vinel, Filipa César, Stuart Staples, Leonor Teles, Hu Wei, João Tabarra, Mão Morta, Yann Gonzalez, Diogo Costa Amarante, Jennifer Reeder e Pega Monstro: é caso para dizer que o Curtas está de parabéns – e não faltam motivos de interesse. O festival decorre de 8 a 16 de Julho e o programa completo pode ser consultado aqui.