Falar deste filme é falar do do 26.º filme do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU para os amigos), mas é também dos primeiros filmes — depois de Black Widow (2021), Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings (2021) — a sair depois do momento climático que foi a dupla Avengers: Infinity War (2018) e Avenger: Endgame (2019). Endgame marca o culminar de dez anos de filmes, a começar com o Iron Man (2008) de Robert Downey Jr., e termina a progressão de uma série de personagens que se foram desenvolvendo ao longo de filmes a solo e em conjunto. Isto significa que os personagens que o ajudaram a construir e que carregaram os afectos de quem os viu no cinema já não estão em primeiro plano, nem disponíveis para continuar a viagem. Agora, o plano é dar a conhecer caras novas, com poderes novos e espreitar novos cantos deste universo.
Tanto as personagens como este filme chegam para assinalar uma viragem de página. Kevin Feige, o produtor-chefe (Selznick, anyone?), traz Chloé Zhao a bordo ainda antes dela ter feito Nomadland (Sobreviver na América, 2020), e este filme chega já depois dela ter ganho o Óscar de Melhor Realizadora. As expectativas subiram, dado que a Marvel Studios é conhecida por gostar de trabalhar com realizadores que estejam na mesma frequência. E a frequência de Zhao (pronunciado “jau”) é bastante particular: paisagens naturais, actores sem treino, um toque tão leve e subtil que as suas equipas de rodagem são minúsculas. Não há grande produção ou aparato num filme de Zhao. Mas há produção e aparato num filme da Marvel. Desde logo, o elenco de luxo: Gemma Chan, Richard Madden, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Harish Patel, Kit Harington, Salma Hayek e Angelina Jolie.
Mas antes de mais, a premissa: os Eternals não são deste mundo e chegaram há milhares de anos à Terra. Foram enviados por seres conhecidos como Celestiais, verdadeiros deuses do universo, com o poder de criar galáxias inteiras. A missão para o nosso planeta parece singela: proteger os humanos, ainda no berço civilizacional, dos Deviants, seres antagónicos, com origens suspeitas e uma tendência para a destruição dos humanos. E isto são os primeiros cinco minutos de filme.
Todos têm o seu próprio mini-arco narrativo, todos a ter o seu momento no filme. E aqui chegamos ao grande problema: não há tempo para todos.
O nosso grupo de protagonistas tem como influências os deuses do Olimpo (embora o filme goste de imaginar que seria ao contrário), algo que chega através do criador da banda desenhada original, Jack Kirby — há um Ikaris, uma Thena, uma versão feminina do Mercúrio. Todos têm o seu próprio mini-arco narrativo, todos a ter o seu momento no filme. E aqui chegamos ao grande problema: não há tempo para todos. Há histórias de amor, de traição, de desilusão. Há a tentativa de lidar com questões de memória ou insanidade, com o poder das memórias na formação identitária. Há espaço para triângulos amorosos, revelações e para as backstories de personagens extremamente secundários. Há espaço ainda para o reencontro em tela dos antigos irmãos Stark de Game of Thrones, Harington e Madden. Mas não há tempo para tudo ser bem desenvolvido, embora o esforço seja notório. Mas não deveria ser notório, deveria ser orgânico.
De uma forma bastante interessante, é um filme sobre a fé e sobre o que estes seres extra-humanos, extraordinários são capazes de fazer no sentido de seguirem o caminho que a sua fé lhes dita. Aqui os pólos que se digladiam são também eles eternos: fé no Criador, fé na Humanidade.
Simplificando um filme onde se sente o peso das suas ambições, os Eternals, pelos milénios que passam juntos, tornam-se uma família. Ao perceberem que há um evento cataclísmico que irá destruir o planeta Terra, formam-se facções: quem luta pelos humanos, porque vêem neles algo de especial (um clássico) e quem luta pelo bem maior. E quem se abstém de lutar, independentemente das suas convicções, porque não querer usar violência contra a própria família. O clímax do filme acaba por ser bem diferente do típico filme de super-heróis. O objectivo não é destruir nada, nem salvar activamente pessoas. É apenas impedir o nascimento de um Celestial — que só nesse gesto destruiria o mundo — num ponto isolado do mundo, sem ninguém por perto, onde a ideia de “trabalho de equipa” é elevado a algo bem curioso.
As ideias, sobretudo, são o que torna este um dos filmes mais ambiciosos do estúdio. A quantidade de personagens, também. E o filme acaba por sofrer pela ambição, incluindo a de juntar Zhao a Feige — embora haja momentos de genuíno esplendor visual.
Não há espaço para que a narrativa flua, especialmente quando são 7 mil anos de história. Mas apesar disso, vemos tão poucos momentos da mesma. O filme usa continuamente flashbacks para momentos que considera chave, mas que acaba por, por um lado, interromper a história contemporânea que está a tentar contar e, por outro, a ser insuficiente quando tenta mostrar as linhas de conflito e afecto entre tantos personagens. Talvez com mais duração, talvez com mais filmes para estender melhor a narrativa (ou talvez com uma série no Disney+ a servir esse mesmo propósito), a história destes seres milenares poderia ter sido algo de verdadeiramente excepcional, ou, pelo menos, idiossincrático. Uma resposta ao cinismo de Zach Snyder nos seus retratos de personagens também endeusadas, como o Super Homem. Mas, levando a metáfora até às suas últimas consequências, o filme voa demasiado perto do sol.