Começo no abraço. Ele está no poster do filme – entre os dois namorados que haverão de se apartar – e está na imagem abaixo – dois anos depois do primeiro, desta vez entre o namorado e um amigo próximo. Um com frio a sair do mar, o outro a tentar reter-lhe o calor. Uma outra personagem ainda, um actor experimentado, gritará bêbado e exasperado, um par de cenas antes, que os abraços e os beijos, reais ou representados, são o mesmo, é tudo amor. Seria tentador ir por aí, 66 minutos de filme, uma Introduction (Apresentação, 2021) à importância do abraço. Mas também um filme sobre a “introdução” de novas fases da vida às gerações mais jovens – o estudo de moda de Juwon (Park Miso) em Berlim e a possibilidade de uma carreira na representação a Youngho (Shin Seokho). Mas talvez isso não baste.

Um dos elementos mais fascinantes da prolífica carreira de Hong Sang-soo é que as suas “variações honguianas” se instalam numa ilusória proximidade com o teatro, a literatura e até uma simplicidade excessiva de meios cinematográficos, que nos obriga a uma espécie de macro-observação, sob pena de vermos somente a repetição, sem a diferença.
A utilização do zoom é um bom exemplo do seu engenho. Lembre-se a forma como este fez parte de um arsenal de guerra contra o exibicionismo e o aproveitamente estéticos, contra a abjecção e o efeito espúrio. Por exemplo, aquela célebre comparação que Daney fazia: o zoom é a masturbação, o que é masturbação é para o amor. Contudo, e neste filme isso é bem evidente, as aproximações da câmara servem ou um propósito funcional para reenquadrar um actor ou talvez, precisamente, como um tímido abraço. Um maneira de nos aproximar sem expôr, um carinho pelo mundo do filme – um mundo por vezes, maravilhosamente, imune ao bulício do que não interessa – uma forma de converter o “distant observer” em alguém mais próximo, mas sem eliminar o espaçamento para a emoção.
Hong Sang-soo não é, como se dizia de Lubitsch, um mestre da elipse. Os seus filmes são antes elipses que páram, provisoriamente, em cenas. (…) São palavras corroídas, diálogos esburacados, dos quais vai emergindo uma constelação de relações e afectos.
A mesma coisa se passa com o engano teatral. O facto de Hong utilizar sobretudo o dispositivo do diálogo, com parcos movimentos de câmara, pode conduzir a uma ideia apressada de um cinema que enlata a expressão, sobretudo, dramatúrgica. Nada mais errado. O realizador sul-coreano filma sobretudo encontros e, a partir da presença das personagens, dos seus gestos e palavras, o espectador é conduzido a uma tarefa de investigação. E, as “pistas”, chamemos-lhe assim, nessa espécie de mistério do quotidiano, ajudam-nos a compreender a cronologia, a relação, o espaço, a rima ou o acaso; e, claro, a ironia.
As palavras não ocultam mas não também não descrevem. Hong não é, como se dizia de Lubitsch, um mestre da elipse. Os seus filmes são antes elipses que páram, provisoriamente, em cenas. Cenas nas quais aparentemente se discute o súbito da neve, a grandeza da luz, a amargura do chá. São palavras corroídas, diálogos esburacados, dos quais vai emergindo uma constelação de relações e afectos. Mas antes desse suspense se desvelar – suspense que surge a partir da ideia de encontro ou comunhão na presença e no presente da cena -, as personagens parecem habitar uma espécie de “zona” tarkovskiana, sem o científico: de onde vieram?; quanto tempo passou?; o que sentem?; o que as une?; o que está para lá da imagem que as acomoda: uma árvore?; um hotel?; uma marquesa de consultório?
Talvez por esta incerteza cósmica, a linguagem cinematográfica de Hong Sang-soo pareça tão acessória. Entre cada plano e cada cena, pode intrometer-se um universo ou um cigarro. A fricção, a irregularidade, o movimento estão à vista, mas, por dentro, das personagens. A forma como agem é, sempre, um subtil rasto dessa inquietação. Introduction (Apresentação, 2021), que venceu o prémio de melhor argumento no Festival de Berlim de 2021, mostra-nos este baralhar das contas entre o interior e o exterior. Um filme que fala de doenças que não passam, um filme que arranca com a prece de um médico, mas que parece, afinal, procurar uma “cura” para a separação, para as pequenas decisões que podem fazer cair na patologia da reminiscência.